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O Projeto de Diploma que altera o Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, que criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e estabeleceu o Regime Geral de Prevenção da Corrupção, assim como o anúncio da contratação de 50 inspetores “especializados em corrupção nas autarquias”, feito recentemente pela Ministra da Justiça, foram objeto de análise e deliberação da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), no seu Conselho Diretivo, realizado ontem, 5 de março de 2025, em Coimbra.
Esta iniciativa legislativa pretende, de acordo com a exposição do legislador, tornar exequível a Agenda Anticorrupção, aprovada em junho de 2024, no que respeita ao MENAC e, nesse sentido, altera o Decreto-Lei n.º 109-E/2021, com vista a agilizar o funcionamento e a tornar mais operacional a atuação deste Mecanismo, alterando o regime de declaração de inexistência de conflito de interesses, mantendo essa obrigação para os eleitos locais. Ora, a ANMP entende que os membros dos executivos municipais já se encontram sujeitos aos regimes específicos (Estatuto dos Eleitos Locais, Código do Procedimento Administrativo, Lei das Incompatibilidades e Impedimentos, entre outras) pelo que já cumprem as obrigações relativas à inexistência de conflito de interesses.
Isto para além de que os órgãos municipais e os seus membros são eleitos por sufrágio, pelo que independentemente do respetivo regime de funções, já estão vinculados às obrigações declarativas que incidem sobre os titulares de cargos políticos, designadamente sobre os rendimentos, o património, os diversos interesses, incompatibilidades e impedimentos.
Portanto, relativamente à exigência de subscrição individual de uma declaração de inexistência de conflito de interesses por cada um dos procedimentos administrativos das áreas constantes do diploma supracitado, por parte de todos os membros do executivo municipal, dirigentes e trabalhadores, a ANMP considera que as autarquias locais devem ser excecionadas da subscrição desta declaração, dado que o quadro legal em vigor já regula, de forma completa e concreta, as matérias dos conflitos de interesses.
Quanto às recentes declarações da Ministra da Justiça, referindo que 48,5% das denúncias, queixas ou exposições feitas ao MENAC estão relacionadas com as autarquias, sublinhando tratar-se de um “número que merece a atenção do Governo”, a ANMP contrapõe com a análise dos números constantes do Relatório de 2023 do próprio MENAC.
Num universo de 194 comunicações judiciais ao MENAC, no âmbito do Regime Geral de Prevenção da Corrupção, verifica-se que 75,3% dessas comunicações (3 em cada 4) são arquivadas, porque correspondem a inquéritos em que não foi provada qualquer matéria que indiciasse a ocorrência dos crimes investigados e apenas 20% das denúncias (1 em cada 5) resultam em despachos de acusação; e só 5% correspondem a acórdãos condenatórios e absolutórios.
Estes elementos evidenciam, sem qualquer sombra de dúvida, que a grande maioria das denúncias são efabulações que, para além de terem custos avultados para a máquina judicial do Estado, causam danos irreparáveis na vida de homens e de mulheres que dedicam a vida à esfera pública, desde logo nas autarquias de todo o país.
Os números são claros, pelo que a Associação Nacional de Municípios Portugueses não aceita que se lance qualquer anátema sobre as autarquias locais nem sobre os autarcas e reitera a necessidade, já defendida, mais que uma vez, nos seus Congressos, da criação de uma entidade inspetiva específica e exclusivamente dedicada às autarquias locais como já aconteceu no passado.
Esta entidade deverá ter uma função pedagógica, permitir o contraditório por parte dos municípios, aliviar a pressão sobre o Ministério Público e os Tribunais ao esclarecer atempadamente acusações falsas, evitar que se enlameie na praça pública a honra dos titulares de cargos políticos e ainda deverá assegurar uma periodicidade exigente de inspeções, no mínimo uma por mandato a cada município.
A Associação Nacional de Municípios Portugueses considera imperioso defender o Estado de Direito em todas as suas vertentes, condenando de forma veemente o uso indevido dos poderes de titular de cargo político para a satisfação de interesses ilegítimos e defendendo que o exercício de funções públicas tem de obedecer a valores de absoluta transparência, imparcialidade e isenção.
Ora, a defesa do Estado de Direito assenta em medidas concretas que permitam a investigação em tempo útil e o julgamento, quando for o caso, no sítio certo – os tribunais. Mas, também, na formação especializada de quem procede à investigação, devido às especificidades das autarquias locais. Assim como, na proteção dos cidadãos acusados, de modo a impedir a violação do segredo de justiça e a evitar julgamentos na praça pública.
Em suma:
A Associação Nacional de Municípios Portugueses considera que a declaração de inexistência de conflito de interesses não deve ser aplicada às autarquias, porque esta exigência já está salvaguardada pela legislação existente, não vem resolver nada e apenas acrescenta burocracia à atividade autárquica. Quanto à fiscalização, como já referimos, é fundamental a criação de uma inspeção especializada e dedicada exclusivamente às autarquias locais.
ANMP, Coimbra, 06/03/2025.