Em primeiro lugar, na qualidade de Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Câmara Municipal de Coimbra, cumprimento a Senhora Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Dr.ª Paula Franco, a quem agradeço o convite que me dirigiu para participar nesta apresentação do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses que apresenta uma análise económica e financeira das contas dos 308 Municípios relativamente ao exercício económico de 2019.
Em segundo lugar, apresento o reconhecimento da Associação Nacional de Municípios Portugueses pelo rigor do trabalho realizado, desde há 17 anos, neste Anuário Financeiro dos Municípios, pelas equipas do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave e da Universidade do Minho, coordenadas pela Professora Maria José Fernandes, em estreita colaboração com o Tribunal de Contas.
Este 16.º Anuário Financeiro assenta, desde logo, numa conclusão que à ANMP apraz registar: é a confirmação da tendência positiva dos últimos anos! O Anuário vem, mais uma vez, comprovar o excelente desempenho dos Municípios na gestão financeira, económica e patrimonial, evidenciando o saldo global positivo do conjunto dos Municípios que se traduz num contributo importante para a redução do défice total das Administrações Públicas.
Pelos dados do Anuário, também verificamos que, no ano de 2019, regista-se a maior aproximação do valor do orçamento previsto ao montante da receita liquidada, evidenciando uma clara consolidação do processo de deflacionamento dos orçamentos, iniciado em 2010 e fortalecido no triénio 2017-2019. Assim como também constatamos que os Municípios registam um elevado rácio da execução da receita liquidada em relação à receita prevista – estamos a falar de uma execução da receita de 91,4% [de 60% em 2010 passámos para 91,4% em 2019], o que evidencia a melhoria do controlo orçamental por parte da generalidade dos Municípios e um maior rigor no cumprimento das regras orçamentais da previsão da receita.
Estamos, portanto, perante um cumprimento generalizado, por parte dos Municípios, das obrigações inerentes a uma boa execução financeira e patrimonial, o que demonstra uma evolução notável da execução orçamental da receita, como acabámos de referir, mas também da despesa, dado que foram pagos, pelos Municípios, 86,1% dos compromissos assumidos [passámos de 73,6% em 2010 para 86,1% em 2019]. Quanto à despesa comprometida, verifica-se que cresceu menos do que a despesa orçamentada (+ 5,1% versus +6,7%), o que comprova, sem margem para dúvidas, o maior controlo orçamental por parte dos Municípios.
Mais: efetivamente, o saldo global ou saldo efetivo do universo municipal cresceu, em 2019, 143 milhões de euros (+18,8%), apresentando um valor positivo de 902 milhões de euros, o que faz dos Municípios um contribuinte importante para um menor défice da administração pública portuguesa e uma parte relevante no combate à crise que afeta o nosso País. Trata-se de um superavit demonstrativo de uma progressiva sustentabilidade financeira dos Municípios portugueses.
Além de que contraria, mais uma vez, aquilo que se tem dito, e escrito, repetidas vezes, erroneamente, sobre o trabalho desenvolvido pelas Autarquias Locais e pelos autarcas, e confirma o que a Associação Nacional de Municípios Portugueses tem sempre afirmado: os Municípios, em geral, gerem com rigor, com responsabilidade e com eficiência, os dinheiros públicos e os serviços municipais e, desse modo, prestam um serviço público de proximidade e de qualidade às populações.
Contudo, apesar deste desempenho positivo se estender a todo o setor autárquico, continua a preocupar a ANMP o facto de existirem níveis de sustentabilidade muito diferentes em função da dimensão dos Municípios, nomeadamente devido à maior dependência dos Municípios mais pequenos das transferências do Orçamento do Estado, mas também em virtude da maior sensibilidade dos Municípios grandes às oscilações da atividade económica.
Estas oscilações podem ter impactos nas receitas fiscais: não só no IMI, IMT, derrama e IUC, mas também na participação de 5% no IRS e agora no IVA local. São diferenças conhecidas, os 308 Municípios são muito diversos – em área, população, geografia, caraterísticas socio – económicas, atividades predominantes…-, mas que nos devem alertar para a necessidade de ter em atenção a diferente capacidade de os Municípios regirem a “choques” do lado da receita, quer por via da principal fonte de receita municipal – a participação nos impostos do Estado -, quer por via das receitas fiscais.
Ora, no momento presente, perante a gravíssima conjuntura da pandemia provocada pela COVID-19 e o notável investimento dos Municípios na resposta à crise, esperam-se fortes impactos sociais e económicos na vida das nossas populações, bem como na economia e nas finanças públicas. É o próprio Relatório do Orçamento do Estado para 2021 que prevê que “a Administração Local apresente um défice orçamental de 216 milhões de euros”, antecipando que o impacto da pandemia nas finanças locais possa provocar o primeiro défice orçamental dos Municípios na última década!
Os Municípios cumprem, logo não podem ser colocados numa situação de fragilidade financeira que comprometeria o futuro das finanças locais e, desse modo, o serviço público de proximidade às populações.
Há que estabelecer mecanismos que permitam contrariar esta previsão, de modo a não colocar em causa o enorme esforço de estabilização financeira desenvolvido pelos Municípios há vários anos consecutivos. A ANMP já apresentou, ao Governo, algumas propostas de solução atempada deste problema que passam pelo cumprimento da Lei das Finanças Locais, pela compensação dos Municípios pelas despesas realizadas no combate à pandemia; pela aproximação da participação dos Municípios na despesa pública à média da União Europeia; bem como pelo acesso relevante dos Municípios ao próximo Quadro Comunitário de Apoio e ao Plano de Recuperação e Resiliência.
Em suma: A Associação Nacional de Municípios Portugueses regista com agrado os resultados globais apresentados por este Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, relativo a 2019, que confirmam o rigor da gestão autárquica que é fundamental para uma autonomia municipal cada vez mais forte e para a própria coesão nacional. Estamos cientes de que o Poder Local sabe gerir bem e servir bem as populações. Agora, no quadro das novas competências que estamos a receber da Administração Central, é tempo de os Municípios assumirem os novos desafios nas diversas áreas de serviço às suas comunidades.
Porém, para que os Municípios executem bem as novas atribuições, e continuem a apresentar boas contas, é preciso que o Estado Central transfira, para a Administração Local, os meios financeiros e humanos necessários e é fundamental reforçar o peso dos Municípios no total da receita do Estado. Só assim é que os Municípios portugueses se aproximarão dos Municípios europeus; só assim poderão ajudar social, económica e culturalmente as suas comunidades, melhorando a vida das pessoas, ajudando a construir um futuro comum, um melhor Portugal para todos.
Isto é ainda mais importante no atual contexto de pandemia em que os Municípios enfrentam um desafio enorme, mas, como sempre têm feito perante as grandes dificuldades, trabalham ainda mais, com maior empenhamento, com ainda maior eficiência e com resiliência, em prol das populações. Porém, vivemos com alguma apreensão, dado que a Lei das Finanças Locais, que foi revista com a participação da ANMP e trouxe um conjunto de conquistas financeiras no que respeita às transferências para os Municípios [face ao montante recebido em 2018, em 2019, 2020 e 2021 serão transferidos mais 633 M€ para os Municípios], continua a não ser cumprida! Para 2021, faltam 51M€ no cálculo do Fundo Social Municipal. É uma situação inaceitável, para mais no atual quadro de pandemia em que as despesas, embora incertas, serão seguramente em montante muito elevado.
São estes os nossos desafios! Não são os rankings. O que nos move não são os rankings, são as pessoas. Os Municípios não são empresas. São entidades que executam políticas públicas em prol das populações. Não visam o lucro, procuram, apenas, gerir bem e de forma equilibrada e resolver os problemas das pessoas. Por isso, sobre rankings, classificações ou avaliações do desempenho de cada um dos Municípios, não nos pronunciamos. O que nos motiva é o trabalho que tem vindo a ser realizado pelos Municípios, cujos resultados são comprovados por este Anuário Financeiro. O que nos move é o vasto trabalho que temos pela frente, sobretudo devido à crise económica e social provocada pela pandemia, mas também em virtude da descentralização administrativa em áreas diversas, desde logo as de maior impacto na vida da comunidade, como a educação, a saúde e a ação social, mas também a cultura, o desporto, o desenvolvimento social e económico, a mobilidade, as alterações climáticas… entre outras. Reitero que o que nos move não são os números, são as pessoas!
Disse.
Manuel Machado
Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses
e da Câmara Municipal de Coimbra
NOTA:
O Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses está disponível em https://www.occ.pt/pt.